Herança Socialista (reflexões sobre a Russia atual)

27/05/2010

É interessante ver o resultado dos anos de suposto comunismo na população. A idéia de igualdade aparece como ausência do indivíduo na sua relação com as escolhas feitas pelos burocratas de Estado. Fica restrita a noção de que a representação do povo sabe o que e melhor para o povo e que este não deve ter vontades nem se apresentar como indivíduo. Mas mais interessante é perceber que neste processo alguns indivíduos passam a assumir a resposabilidade por decidir a vontade de todos os outros e a igualdade foi por água abaixo. Mesmo que supostamente fosse possível estabelecer um critério científico de aproveitamento para a sociedade, ainda assim e impossível prever o futuro. É impossível estabelecer qualquer critério minimamente preciso que coloque a felicidade como uma meta. Uma sociedade triste não pode ser uma sociedade socialista.

Mas é possível argumentar que em termos de arranjo, jogar ao indivíduo suas escolhas também não é uma garantia de que serão melhores as opções pelo conjunto dos membros daquela sociedade. A imprevisibilidade é determinante em ambos os casos, nos quais as autoridades buscam modelos de previsão (liberal ou autoritário). Mas nesse caso, ao menos, é possível que alguém seja infeliz por opção própria (alguém não é infeliz) ao invés de colocar-se como alienado de sua responsabilidade pois não foi ele quem escolheu. A postura de orgulho pela pátria (alienação claramente manifesta pela propaganda) dura até o momento em que o niilismo contagia aquele ser sem liberdade: resta o mau humor e a desesperança a serem punidos a duras penas pelo mesmo Estado.

A própria necessidade de convencer o indivíduo de que aquela é sua “melhor sociedade”, sua melhor posição e que ele é parte disso (orgulho nacional) aparece como latência de uma inconsistência sistêmica: afinal, quem mesmo está mais feliz com o esforço que eu faço? Qual a satisfação que eu também obtenho daquela ação coletiva? E por que fulano tem mais direito de tomar decisões sobre minha vida que eu mesmo? A fórmula do Bourdieu na qual o capital político substitui o economico nas sociedades capitalistas de Estado é bastante interessante nessa discussão.

Ver a juventude que surge, alguns muito criativos, outros religiosos e alguns pessimistas, anima e desanima ao mesmo tempo. Por um lado, parecem guardar um enorme potencial frente a toda estrutura educacional e disciplinar da qual são herdeiros. Por outro, a vivência de um mundo sem grandes horizontes ainda se faz presente nas lentes dessas novas gerações que vêem surgir de dentro da estrutura promotora da igualdade a maior desiguldade possível fundada na ausência de direitos ou democracia. O capitalismo autoritário atual parece ser a herança ditatorial do período estatal, mas sem pressupostos de igualdade. Apenas na liberdade de iniciativa aos agentes de Estado e que o liberalismo penetrou; ao cidadão comum que não pode se manifestar, ao empresário sem relações na burocracia estatal ou mesmo ao pobre que segue com salários de fome sem grandes opções, para esses não há caminhos ou rotas alternativas. Fica muito difícil pensar que isso é a herança de um período de união nacional por um país justo, um mundo realmente livre, o socialismo.

1 Comment

  1. Caro Fernando, encontrar suas reflexões foi um presente. É como encontrar uma surpresa guardada por um amigo, situação que geralmente termina proporcionando alegria e satisfação como resultado. Gostei dos seus textos reflexivos sobre o socialismo e das poesias. Claro que não li tudo, mas apreciei o que li e gostei. Voltarei a visitar sua página, abraços e faça também um contato telefônico quando puder.
    Almir (11) 49795219 e 93903501.

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