Era o pato

Calmaria na fazenda. Antonio, o caseiro, observava bem de longe os acontecimentos. Nada de imprevistos. Vento tranqüilo, batendo no rosto, num leve balançar de eucaliptos que faziam carinho nos tímpanos. Era no laguinho que tudo iria acontecer.

 

Quem contou foi Lelé, o cão vagabundo que todo dia passava pela cerca e invadia a propriedade. Não, não era ocupação, pois não tinha direitos envolvidos. Era um simples passear despretensioso de alguém que há muito não gostava de ouvir falar em limites. Mais tarde, morreu ainda cedo…

 

Pois então que naquela tarde de verão, caminhando na sua ausência de fronteiras, Lelé ouviu que no lago as águas se mexiam. Acostumado a brincar com todos os habitantes daquele reduzido reino animal, o cão foi verificar. Percebeu que estavam todos lá: os cisnes, cada um dos passarinhos e das águas turvas teve a impressão de sentir cada cardume ali presente. Era no canto do lago que a água mexia mais. Teve a impressão de ser coisa macabra… Felix, o pato, se debatia infinitamente, próximo à margem, distante de todos. Ninguém se aproximava, o canto era todo dele.

 

Inquieto com a cena, Lelé, que mesmo de fora virara quase um guardião (boa expressão pra fofoqueiro), foi lá verificar. O mexido vinha da água e não era só do pato não. Na sua cara, o canto do seu bico denunciava: era alegria! Em frente avistou onde ele se encostava: era Nilza, aquela piranha, que flertava com ele por debaixo d´agua! Ah, que pecado! No reino da natureza, espécimes só se misturam pra garantir sua sobrevivência. No caso, o mexido era só alegria e prazer. Um frio recortou-lhe a espinha: podia virar amor.

1 Comment

  1. Ontem, ouvi um ditado excelente para registrar aqui (mas achei que não cabia no texto original): malandro é o pato que nasce com os dedos grudados pra não pôr aliança!

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