Sobre os Clubes de Troca – Fernando Kleiman

Que o pão encontre na boca

o abraço de uma canção

inventada no trabalho.

Não a fome fatigada

De um suor que corre em vão.”

Thiago de Mello 

 

 

Baseado na discussão surgida em torno dos Seminários apresentados em aula sobre o LETS, Local Exchenge Trading System, posso dizer que o funcionamento do Clube de Troca (nome dado no Brasil) é a reprodução da economia do grande mercado com um menor grupo de participantes.

O funcionamento do LETS pode ser descrito como sendo um conjunto de pessoas que se reúne para trocar produtos e serviços, ou melhor, tempo de trabalho. Para tanto, dada a dificuldade de se realizar tais trocas na forma do primitivo escambo, mercadoria por mercadoria, criam um equivalente comum, uma moeda própria, cujo nome varia de clube para clube (tupis, horas de trabalho, bonus, …). Sendo assim, existe a necessidade de uma maior formalização do clube, possibilitando o controle e a confiabilidade nas trocas a serem realizadas por esse meio de troca comum. Isso será concretizado pela efetivação de uma “administração” eleita entre os membros que ficará responsável.

A não ser por esse meio de troca, até agora colocada apenas em termos de unidade de conta, o clube nada mais é que um agrupamento formalizado de pessoas que trocam bens e serviços.

É aí que surge a novidade: ao se criar essa unidade comum, afim de se facilitar as trocas, são emitidos cupons (notas, ou qualquer outro nome que se queira dar) com valores nessa nova unidade. Essa impressão nada mais é que a concessão à Administração (representando o grupo, o que significa dar ao grupo) o poder de emitir moeda. Afim de que as trocas aconteçam, as moedas emitidas para serem utilizadas são distribuídas antes das trocas ocorrerem. Aqueles que participarão recebem um crédito para ser gasto, e assim passam a possuir mais poder de compra que apenas aquele que a venda de seu “tempo” possibilitaria.

Dessa forma, com esse poder de criar crédito, o clube de troca é capaz de fazer com que trocas aconteçam sem a necessidade de seus participantes possuírem dinheiro oficial de antemão.

Um exemplo facilitaria a compreensão: João tem um rádio e quer ter aulas de violão. Maria dá aulas de violão. Ao receber o crédito no Clube de Trocas, ele passa a poder contratar as aulas de Maria. Essa poderá, com seu crédito, e o pagamento efetuado por João, consumir outros bens e serviços; e nesse processo alguém poderá comprar o rádio de João, que consumiria outras “horas”.

Ou seja, o funcionamento do mercado, excludente da forma como hoje se dá, inviabiliza a realização de transações e produção de bens que muitos estariam dispostos a realizar e consumir. Mostra o Clube de Troca que a moeda é fundamental para intermediar as transações e que o crédito, quando democratizado, possui um enorme potencial para aquecer a economia e tirar muitos da situação de exclusão que hoje se encontram. Do contrário, quanto menos disponível (e mais caro, pelas taxas de juros) for o capital, maior será o contigente de pessoas que estará excluído.

 

 

Sobre a Questão 1, a História da moeda: A moeda cunhada pode ser considerada como uma segunda etapa na história da moeda, precedida por moedas simbólicas (ou paleomoedas, sem função de troca por valores de uso), e por moedas mercadoria (cuja utilização se dava de forma semelhante ao escambo) até que algumas destas, ainda com valor de uso, como o sal, passam a ter sua utilização generalizada, enquanto unidade de cálculo das quantidades a serem trocadas, bem como meio de troca.

Nessas condições passam também quantidades de metal precioso a serem utilizadas como moeda mercadoria. Vale dizer que já na Babilônia (XX – XV a.C.) existiam templos que funcionavam enquanto banco de depósitos, guardando dinheiro e emitindo nota. Esse pode ser considerado como o surgimento da moeda papel (que tratarei mais adiante). Por essa experiência não ter se generalizado, voltarei a ter como referência histórica a ordem: moeda cunhada, moeda papel e então moeda escritural.

A origem da moeda cunhada pode ser atribuída ao período helenístico, na Antiguidade Grega (Courbis, Froment e Servent, 1991). O motivo central da cunhagem seria a praticidade, tanto em termos de carga, divisibilidade e durabilidade (como aponta Adam Smith) como também em relação ao valor fixo a ela atribuído. Apesar de dedutiva a conclusão, ela aponta o aviltamento como um grande problema em relação a moeda cunhada quando, pelo aumento de sua quantidade disponível, esta perderia seu valor. O monopólio da emissão estava a cargo do Estado (que por vezes realizou concessões para particulares) que com este terá os ganhos de senhoriagem (valor cobrado pelo serviço da cunhagem, que costuma ser maior que o seu custo). Nesse processo, tendo a moeda cunhada o seu valor fixo pela cunhagem, o desgaste natural (e o não natural, realizado por alguns que raspavam parte do metal para fundí-lo e obter mais moedas) gerava a diferenciação entre os pesos destas, ficando algumas mais gastas e outras menos (moedas “ruins” ou “boas”). É interessante comentar a chamada “lei de Gresham” que explica o fato das pessoas tenderem a acumular as moedas “boas”, circulando apenas as “ruins” (tendo o montante circulante diminuído por isso). Além dessa dificuldade relacionada ao desgaste, o transporte de grandes valores em moeda cunhada e a falta de padronização das diversas moedas que existiam, apontavam para a necessidade de um meio mais seguro de circulação. Vale ressaltar que não foram apenas as dificuldades físicas apontadas como também o conflito político relacionado com a cunhagem pelo Estado, que levou as ligas de comércio Mercantilistas a formarem seu próprio meio de transação: é daí a origem da moeda escritural utilizada pelos comerciantes quando, sem a necessidade de meios físicos de troca, realizavam apenas registros das transações ocorridas (o que fugindo do controle estatal, levou a instalação de pedágios nas rotas de comércio). Nesse contexto o banco era apenas um cambista das diversas moedas em circulação.

Como desenvolvimento dessas relações de troca, os bancos passam a emitir cartas de cobrança de dívidas de clientes, chamada letra de câmbio, que passam a circular como moeda. Essa é a origem do que se chamou moeda papel, uma representante do metal. Essa moeda será um papel lastreado pelo emissor, sendo tanto a letra de câmbio como notas bancárias. Por ser de papel só pode ser utilizada a partir da invenção dos tipos móveis, por Gutemberg no Século XVI. O emissor será o banco que tiver a concessão para fazê-la (sendo que dependendo do período não houve controle, dispensando a necessidade da concessão). Pelo fato de ser o banco o emissor, o compromisso do lastro estava restrito a situação de cobrança, na qual a troca do papel por ouro fosse requisitada. Assim estes podiam emitir mais notas que suas reservas para trocá-las. Surge a possibilidade de multiplicar o crédito disponível, fato que gerou um crescimento econômico muito maior que se apenas o “lastro” circulasse. Mas por outro lado, quando todos os possuidores iam, a um só tempo, requisitar o seu direito, o banco quebrava por falta de reservas em metal. O valor das notas emitidas estavam assim diretamente ligadas a confiança do público pelo banco. Afim de evitar quebras, o governo passa a ter o controle sobre a concessão da emissão para além das reservas disponíveis (numa espécie do Compulsório atual). Esse meio só era utilizado para grandes transações e será somente no Século XIX que o povão passará a ter acesso a ele. O conflito político passa a se dar em torno das concessões dadas, as reservas requeridas, e as negociações diretas dos estados sendo financiados pelos bancos. Como é de se esperar, muitos foram privilegiados meio pelas políticas e concessões, adotadas e conseguidas, por articulações privadas, particulares (coisa que hoje parece não ter grande mudança, a exemplo do funcionamento do Proer).

A moeda escritural, como já descrita, se dá apenas por registros nos livros dos bancos, e os pagamentos são feitos por ordens de transferência. O Estado passa a não mais monopolizar as transações, ficando a cargo dos bancos a concessão dos créditos e controle das transações; isso apesar dos depósitos serem feitos, inicialmente, apenas nos bancos públicos, dos quais surge a forma de transação. Temos como marco, para além da utilização Mercantilista, “o Wisselbank, fundado em 1609, para desempenhar as funções típicas dos futuros bancos centrais” (Arrighi, p. 142). Em 1683 passa a fazer a transação escritural, quando recebia depósitos em metal ou moeda cunhada, e passava um recibo com prazo de validade para a retirada, após a qual não mais seria trocado em metal, sendo apenas transacionado, o valor em crédito contábil. Com a moeda escritural, deixa de existir a figura do emissor, passando os bancos a terem nas taxas, juros e multas (overdraft) sua fonte de renda.

 

Sobre a Questão 4, as finanças no Capitalismo de hoje: Indo direto ao assunto, o papel das finanças no capitalismo, ressaltada por Singer, é o de “minimizar o tempo de imobilização estéril de valores” (Singer, 2000 p.29), reduzindo estoques e acelerando o giro do capital. Além disso, também possui outros dois papéis de grande importância: possibilitar a transformação de prazos e riscos dos investimentos a serem feitos no lado real da economia. Todas as três “operações” são hoje de extrema importância pois possibilitam que parte de toda uma produção que não seria realizada o seja.

Em relação ao tempo imobilizado de valores, todo valor que não está em consumo ou circulação é, por princípio, um desperdício, pois poderia estar sendo utilizado. A laranja que não é consumida enquanto alguém passa fome; o avião que viaja com assentos vazios para outra cidade, quando alguém na origem de sua rota morre de saudades de uma outra em seu destino, mas não pode se utilizar do meio; quando um homem quer trabalhar e não encontra trabalho. Todos são exemplos de formas mal utilizadas de recursos que poderiam trazer maior felicidade e amor para o mundo. Se o faminto tivesse dinheiro para comprar a laranja ela talvez não estragasse; se o homem que tem saudade tivesse dinheiro e possibilidade de deixar seu trabalho para ir ver aquela pessoa que ama poderia faze-lo; talvez assim o homem que não consegue trabalho pudesse até trabalhar no lugar daquele que foi viajar. Mas aonde estão as finanças? Muitos investimentos só podem ocorrer porque, ao invés de se ter que acumular todo o montante de capital necessário para realizá-los, existem pessoas com capital sobrando, ao menos por algum tempo, e estão dispostas a emprestá-lo para que este realize sua ação. O não consumo que gera acumulação de estoques de produtos que é uma forma de má utilização do capital. O não consumo do capital é também uma forma de má utilização deste. São as finanças que, através dos seus ativos financeiros (contratos de empréstimo) transacionados que permitem essa diminuição do estoque de capital inutilizado pela sua imobilização.

Agora as finanças, ou os agentes financeiros, ao realizarem suas transações possibilitam tipos de investimento que também não ocorreriam caso essas não se realizassem. A primeira é a questão do prazo, transformado pela movimentação financeira, quando um investimento de longo prazo fosse ser efetivado, como no exemplo dado em aula, a construção de um transatlântico. O tempo e o montante de capital requeridos para que este fique pronto são grandes demais para que um investidor sozinho, salvo raras exceções, possa faze-lo por conta própria. Assim é da existência de diversos pequenos depósitos que num banco formam um grande fundo que surge a possibilidade dessa produção ocorrer. E é pela forma como o dinheiro circula que surge a possibilidade de que inclusive essa possa demorar o tempo que for necessário, tendo o pagamento dos depósitos também garantida.

O segundo tipo de transformação será o de risco. Somente pela existência do mundo financeiro, através do qual pequenos depósitos são somados e se tornam disponíveis para investimento é que os virtuosos investimentos em pesquisa tecnológica, por exemplo, que são realmente incertos os seus resultados, podem ocorrer. O risco de um depósito, muito pequeno, é transformado num enorme risco, o da pesquisa tecnológica. O alto retorno desta permite obter um valor superior aos juros e ao montante necessário para pagar os pequenos retornos daqueles.

Um problema desse mundo é a instabilidade de usas transações, em função das expectativas e riscos corridos pelos que dele participam. A especulação nada mais é que uma das formas de se jogar a regra do jogo. O problema é que destes riscos e expectativas é que a o funcionamento real de economia mundial, inclusive daqueles que deste jogo são excluídos, será determinada. Exitem pelo menos três mecanismos que podem ao menos diminuí-los: pode-se taxar as transações de curto prazo, afim de que a sua movimentação de rebanho possa ser ao menos mais controlada, diminuindo seus efeitos nefastos; pode-se realizar políticas que incentivem o consumo, que dentro do funcionamento da economia servem como um bom estabilizador dos efeitos das bruscas variações das rendas dos países; e uma última alternativa serai a democratização do crédito, tornando-o barato a ponto de que investir capital em capital se tornaria desinteressante.

Vejo como relevante ressaltar que o mundo financeiro, ou melhor, os efeitos do funcionamento do mundo financeiro, não são apenas benécias. É também através das finanças que os impérios econômicos, concentradores de capital, puderam, e se mantém podendo, ser formados, concentrando cada vez mais capital com aqueles que deste mundo podem participar, e condenando os outros a se manterem apenas como mero anexos desse jogo de acumulação que sarcasticamente alguns parecem extrair tanto prazer. 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

Todas as leituras indicadas no curso, mais:

 

MARX, Karl  O Capital , Abril, Coleção Os Economistas, São Paulo, 1982

 

MELLO, Thiago de,  Faz Escuro Mas Eu Canto,  São Paulo, 1984

 

SADER, Emir  Os 7 Pecados do Capital, São Paulo, 2000

 

 

Junho de 2000

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